No meio do mundo

Vou confessar: essa é minha terceira tentativa de escrever essa resenha. Não que eu nunca tenha me deparado com a dificuldade de fazer uma resenha à altura do livro, mas é que nem todo livro, por melhor que seja (e eu já resenhei MUITO livro extraordinário), tem esse tanto de ensinamento.

É sério, esse livro não é propriamente um romance, embora André Kondo use a linguagem de romance para contar essa história, que é a história dele mesmo, em uma busca espiritual e filosófica por uma “verdade”, ou por Deus.

Costumo fazer marcações nos livros que resenho que contenham qualquer coisa que auxilie o leitor a compreender melhor a grandiosidade do livro, e os motivos que fazem valer a pena a leitura, em especial para um livro de mais de 400 páginas, e com o tanto de conteúdo que ele traz.

Se for para fazer um resumo bem pequeno, poderia dizer, de forma bem rasa, que é a jornada de dois irmãos gêmeos – Teru e Kazu – um representando a razão e outro a emoção, em busca de um ponto comum entre as crenças – religiosas ou filosóficas – de cada um. A busca por respostas. A busca pelo divino.

Não deixa de ser isso, mas esse resumo só contempla o objetivo dos personagens, e não a sua busca. André – que é ele mesmo Teru e Kazu – visitou pessoalmente lugares-chave nas duas vertentes da busca por respostas, e pôde ver, com os próprios olhos, o poder e a potência de cada cultura.

Os lugares visitados e descritos nessa jornada são (e a lista é imensa): Austrália – Japão – Singapura – Indonésia – Malásia – Tailândia – Camboja – Nepal – Índia – Laos – Vietnã – China – Mongólia – Rússia – Finlândia – Suécia – Noruega – Dinamarca – Holanda – Alemanha – Polônia – Áustria – Itália – Suiça – Espanha – França – Inglaterra – Grécia – Turquia – Israel – Palestina – Jordânia – Egito.

Aqui optei por não citar cada item do sumário ou a lista seria interminável, porque André organiza a viagem por cada cidade visitada. E pela primeira vez reservei uma caderneta intieira para anotar os principais ensinamentos, espirituais, filosóficos, científicos ou históricos apresentados no livro; iria fazer a resenha depois de compilar tudo na caderneta, mas é coisa DEMAIS.

André traz uma amplitude de assuntos, curiosidades e fatos como eu nunca tinha visto antes, nem nos livros de história, que nunca entraram nesse tanto de profundidade e menos ainda nesse tanto de temas. O livro praticamente nos oferece uma aula de história, história da fé, cultura, filosofia, ciência, sociologia e até literatura. Uma aula não, várias aulas.

E os irmãos absorvem cada aprendizado à sua maneira. Enquanto Teru explica as religiões, sua origem, suas lendas, seus ritos e seu impacto na vida de cada comunidade, Kazu apresenta a filosofia e a ciência como formas igualmente válidas de alcançar o divino, até porque filosofia e fé têm vários pontos de encontro em sua trajetória, e muito da ciência também foi feito buscando por um Deus – ou, mais precisamente, por explicações de fenômenos que foram/são atribuídos a um Deus em milhares de anos, praticamente em todos os lugares.

Talvez um dos méritos mais notáveis do livro não resida nessa compilação de lugares e culturas que André nos presenteia, mas a maneira com a qual lida com esse conflito razão x emoção, o quanto um completa o outro – tanto que Teru e Kazu são mesmo um só, o próprio André – e o quanto ele é capaz de nos levar na bagagem a cada um desses lugares. Alguns deles, inclusive, busquei imagens no Google e são exatamente como imaginei baseada nas descrições do autor.

E mesmo que busquemos todas as informações transmitidas por ele ao longo dessas mais de 400 páginas de jornada em outras fontes, há ainda o fator humano, as percepções dele, os ensinamentos que a emoção transmite à razão e vice-versa. Essa é absolutamente insubstituível, e quem bom que André optou por nos contar essa história na visão dos gêmeos, e não simplesmente como um roteiro de viagem.

Pensei muito em trazer trechos do livro, assinalei MUITOS que mereceriam tal referência, inclusive na minha caderneta já tem muita coisa anotada, mas justamente pela quantidade de conteúdo achei por bem não privilegiar nenhum. Para se ter uma ideia, nos países aqui listados, Teru e Kazu passam por cidades específicas, as vezes mais de uma por país, e em absolutamente todas as paradas os gêmeos têm algo a se aprender. Seja dos assuntos já mencionados, seja da experiência que eles vão tendo em cada lugar e com cada pessoas que conheceram nessa jornada.

“No meio do mundo” é uma experiência dessas que muda nossa perspectiva sobre muita coisa. Sabia muito pouco sobre as religiões politeístas do oriente, por exemplo, e mesmo sendo apaixonada por história e devoradora de relatos de fatos reais, André me trouxe, nessas páginas, mais conhecimento histórico do que em todo meu período escolar. Não à toa terminei a leitura ainda em fevereiro e demorei quase um mês para me aventurar por essa resenha. E não à toa ele demorou 20 anos para escrever.

Também é importante destacar que cada capítulo tem um QR Code que leva ao audiobook (seria legal ter também algumas imagens dos locais, embora tenha algumas no final do livro). Confesso que deu uma vontade danada de pegar esse livro e fazer uma rota igual para fazer minha própria busca. Quem não busca respostas? No fim do livro André nos conta o que ele encontrou, mas cada um pode encontrar uma resposta diferente, ao seu jeito.

Tem viagens que não podem ser feitas por nenhum meio de transporte. Esse livro é uma prova literária disso.

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No meio do mundo

André Kondo

Telucazu: Jundiaí, 2023

421 páginas

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Andre Kondo é nipo-brasileiro, autor de dezesseis livros, incluindo O pequeno samurai (Menção Honrosa Prêmio João-de-Barro e finalista do Prêmio Jabuti), Contos do Sol Nascente (Prêmio Bunkyo) e Contos do Sol Renascente (Prêmio Humberto de Campos). Recebeu mais de 300 prêmios literários, possuindo textos traduzidos para o japonês. Pós-graduado pela University of Sydney, viajou por mais de 60 países em busca de inspiração para a sua escrita. Morou no Japão, visitando as suas quatro maiores ilhas. É editor da Telucazu Edições e vice-presidente da Nikkei Bungaku do Brasil. Vive de literatura.

#Maya

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