[Especial anti-racismo] A voz que não se cala

Um mendigo, um poeta marginal e um racista. O ano era 2020. O poeta negro, periférico, artista de rua, idealista de um mundo melhor, fez o que todo aquele com consciência de classe e um bom coração faria: defendeu o mendigo. O racista, armado de uma pedra, fez o que todo covarde canalha faria: matou o poeta.

Foi assim que Lucas Alberto Fernandes, o Lucas Menóhgrafia, deixou esse mundo aos 22 anos. Ele queria ser poeta. Ele morreu sem saber que era.

André Kondo, editor da Telucazu e ex-professor de Lucas, não assistiu calado ao desespero da família, que passou a enfrentar, além do luto, severas dificuldades financeira, e publicou o livro “Um dia o poeta morre, mas a poesia vive”. A obra não apenas compila o trabalho de Lucas como destina todo o valor das vendas à família do autor.

Lucas era um poeta das quebradas, do microfone aberto, da crítica social, da própria vida como exemplo de sociedade desigual. Na edição feita por André, foram respeitados não somente as gírias, mas os erros gramaticais, permitindo um retrato mais completo de quem foi o poeta silenciado por uma pedra.

“Enche uma dose de vitória

E traga pra cá

um par de asas pro mlk

poder voar”

A linguagem crua, autêntica, sem preocupações estéticas ou medo de chocar é uma constante em toda a obra.

“A morte, a dor, o amor e a guerra

Que guarda sequelas

Por trás de um elo

Que fode sua mente

Sem ter que tocar nela”

Lucas trazia aos seus versos a mesma forma de se expressar que usava nas ruas, junto aos seus, diante dos microfones de saraus e slams, sabendo que a linguagem culta não chegaria às pessoas com quem ele queria conversar.

“Invade as ruas de magrela

E os pirata vão trampá”

E mesmo que trouxesse a crueza das ruas, da pobreza, do preconceito, da segregação, também trazia esperança e fé, dedicando muitos de seus poemas a falar de Deus e sua crença em algo maior, mais puro, longe de tudo aquilo que o oprimia.

“Não seja escravo do homem

seja servo do senhor”

Como quem conhece bem a realidade onde vive, ele também parece prever o futuro.

“Lembra que a saudade

Não vai devolver minha vida

E quando só enxergar nas fotos

meu sorriso

Vai ver que o que incomoda não é

só o caixão partindo”

Lucas Menóhgrafia não chegou a explorar todo o seu potencial. Com a vontade que tinha e toda a carga de experiência de vida, teria ido longe sem a pedra que interrompeu seu caminho. Seria ele voz a representar tantos outros e outras poetas que não aprenderam forma e estilo, que possuem um português precário e usam gírias como sua língua, mas que têm muito a dizer e sabem como se comunicar com as pessoas certas.

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Um dia o poeta morre, mas a poesia vive

Lucas Menóhgrafia

Telucazu Edições: Jundiaí, 2021

70 páginas

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Lucas Menóhgrafia foi um poeta marginal, compositor e ativista. Uma pedra o impediu de ter uma minibio maior.

#Maya

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